segunda-feira

Fé, fortuna e fritas

Os grandes nomes do capitalismo argentino são tão conhecidos no Brasil quanto os craques da seleção vietnamita de futebol. Segundo os mais maldosos, não é à toa -- eles seriam mesmo uma raridade. De fato, alguns dados servem de base para essa visão. A lista de bilionários da revista americana Forbes tem 20 brasileiros, dez mexicanos, três chilenos, dois venezuelanos e apenas um argentino, Gregorio Perez Companc. Que, aliás, vendeu sua empresa para a Petrobras em 2002. Curiosamente, um dos maiores empresários argentinos nasceu na Colômbia, tem pai brasileiro, mãe checa e nome de americano. É Woods Staton. Aos 57 anos, Staton é sócio de um dos fundos de investimento mais importantes da Argentina, o Pegasus, que controla sete empresas, entre elas a tradicional sorveteria Freddo. Desde abril, o homem de sorriso contido da foto ao lado estendeu sua influência ao Brasil. Staton liderou o grupo que pagou 700 milhões de dólares por 1 600 restaurantes da rede de lanchonetes McDonald's na América Latina, incluindo os mais de 500 pontos-de-venda da companhia espalhados pelo Brasil.

Woods Staton,
controlador do McDonald’s da América Latina
Idade:
57 anos
Origem:
Nasceu em Medellín, na Colômbia, e naturalizou-se argentino
Formação:
Estudou economia na Universidade Emory, em Atlanta (EUA), e fez MBA no IMD, na Suíça
Família:
Seu avô fundou a Panamco, que se tornaria uma das maiores engarrafadoras da Coca-Cola na América Latina. Hoje é casado e tem três filhos
Patrimônio:
Além do McDonald’s, Staton é sócio de um fundo de investimentos que controla varejistas e negócios imobiliários
Desafio:
Fazer o problemático McDonald’s da América Latina crescer e dar lucro.


Respeitadas as proporções, Woods Staton reúne algumas características típicas de empresários brasileiros de imenso sucesso. Seus investimentos, concentrados em empresas que passavam por crises, lembram a estratégia de Jorge Paulo Lemann, hoje um dos donos da Inbev e da Lojas Americanas. "Não somos um fundo que compra em um dia para vender logo em seguida", diz o chinês Michael Chu, professor da Harvard Business School e um dos sócios do Pegasus. A origem de Staton é bilionária, como a de Antônio Ermírio de Moares. Seu avô, um missionário metodista americano, foi o fundador da Panamco, que se tornaria a segunda maior engarrafadora da Coca-Cola no mundo. Em 2003, a companhia da família foi vendida para a mexicana Femsa por 3,6 bilhões de dólares. Hoje, Staton e sua segunda mulher, Erika Roberts, formam um dos casais mais influentes da economia argentina. A família de Erika fundou o banco Roberts, vendido há dez anos ao HSBC, e os dois construíram um círculo de relacionamentos invejável. Staton é vice-presidente da ONG Endeavor, dedicada ao estímulo ao empreendedorismo, na Argentina, e tem uma relação próxima ao braço brasileiro da organização, da qual fazem parte empresários como Lemann e Emilio Odebrecht. Muitas vezes, fazer parte desse círculo joga luz em uma faceta glamourosa do casal. No ano passado, eles foram à festa que celebrou os 250 anos do nascimento de Mozart, em Viena. A seu lado, além de condes e príncipes, estava Stephen Schwarzman, fundador do Blackstone, maior fundo de private equity do mundo. Essa faceta pode ser constatada também na garagem da casa de Staton em Miami -- onde guarda uma Ferrari 1967.

Apesar da atual exuberância, as marcas gravadas pelo exemplo do avô missionário podem ser facilmente encontradas na carreira de Staton -- segundo os amigos, ele sempre demonstrou ter a típica obsessão por trabalho que, de acordo com o sociólogo alemão Max Weber, ajudou a impulsionar o capitalismo americano. Em seu primeiro estágio, na sede mexicana da Panamco, passou por vários cargos tidos como subalternos, inclusive ajudante de caminhoneiro. Um ano depois, foi transferido para Porto Alegre com a missão de convencer distribuidores locais de cerveja e vinho a vender Coca-Cola. "Eu passava a semana viajando por Bento Gonçalves, Erechim e Caxias do Sul", disse Staton a EXAME, em sua primeira entrevista exclusiva à imprensa brasileira (ele fala português fluentemente). Segundo um executivo que trabalhou com Staton em Porto Alegre, ele visitava bares e restaurantes nos fins de semana simplesmente para checar se as placas da Coca-Cola estavam em boas condições.

Um cisma familiar colou a carreira de Staton ao McDonald's. Seu grande adversário era o tio Phillip Staton, e as brigas constantes fizeram com que pedisse o boné no começo da década de 80. Ele foi, então, buscar o que fazer num dos maiores clientes da Panamco, o McDonald's -- que, na época, procurava um executi vo que topasse abrir restaurantes da rede na Colômbia. Como parte do treinamento da multinacional, Staton atendeu consumidores e limpou banheiros de lanchonetes da rede nos Estados Unidos. O conturbado ambiente político colombiano fez com que o McDonald's desistisse do investimento. Em seguida, porém, Staton foi convidado a levar as primeiras lojas da rede para Argentina, Chile e Uruguai. Mudou-se para Buenos Aires, naturalizou-se argentino e começou a desenvolver uma relação simbiótica com a matriz da rede, no estado americano de Illinois. Segundo os especialistas, foi justamente no auge da crise argentina, em 2002, que Staton consolidou sua reputação na matriz. Em meio à aguda recessão daquele período, sua preocupação era manter as lojas cheias e a marca viva, mesmo que para isso fosse preciso sacrificar o lucro. Para atrair clientes, foram criadas promoções especiais, como o "combo-táxi", um lanche vendido especialmente para taxistas por 3,30 pesos, metade do preço cobrado aos demais clientes. "As pessoas chamavam o McDonald's de 'biblioteca', porque os desempregados compravam um refrigerante e passavam o dia inteiro lendo no restaurante", diz Marcelo Cherto, especialista em franquias.

Os mais de 20 anos em que passou mergulhado no chamado "Sistema McDonald's" fizeram com que Staton fosse visto como favorito absoluto para a compra da operação latino-americana da rede quando foi posta à venda, no ano passado. Desde o início do processo, os interessados brasileiros repetiam em conversas reservadas que "aquele argentino" era o fiel da balança. Essa conclusão obedece a uma lógica cartesiana: o preço pago pelo novo controlador seria uma variável menos importante do que a garantia de uma operação eficaz da rede nos próximos anos -- afinal, o McDonald's passa a receber royalties equivalentes a 5% do faturamento dos restaurantes. "Eles não queriam que a rede caísse nas mãos de um fundo interessado apenas na busca de melhores resultados financeiros imediatos", diz um executivo que participou da venda. Houve, porém, momentos em que o destino do negócio ficou indefinido. Segundo executivos próximos à transação, um grupo da cúpula da multinacional chegou a desistir da venda diante do que parecia ser uma súbita melhora nos resultados da região. Uma facção contrária teria insistido na venda para Staton, que havia se associado a três grupos de investidores, o Capital Group Companies, o DLJ South American Partners e o Gávea, de Armínio Fraga (os filhos de Fraga e Staton foram colegas de faculdade). Com a vitória do segundo grupo, a rede foi parar nas mãos do argentino.

À frente do McDonald's, Staton enfrentará um desafio com potencial para gerar saudade dos tempos de crise argentina. Não foi à toa que a matriz colocou as lojas à venda num modelo usado pelo McDonald's para operar em países instáveis, onde o capital da empresa está em risco: nos últimos cinco anos, a América Latina registrou os piores índices de lucratividade da rede no mundo. No Brasil, a empresa ainda enfrentou uma série de disputas judiciais com franqueados insatisfeitos com os preços cobrados pelo aluguel de lojas e sofreu sérios danos de imagem. Apenas recentemente a operação passou a dar bons resultados. No primeiro trimestre deste ano, o lucro operacional foi de 39,7 milhões de dólares, em comparação com um prejuízo de 8,5 milhões no mesmo período do ano passado. Esse é o cenário que espera por Staton. Até agora, poucos detalhes foram revelados sobre sua estratégia para incrementar o desempenho da rede. Sabe-se apenas que cerca de 300 milhões de dólares serão investidos na construção e na reforma de lojas. Em maio, Staton fez uma série de viagens para conhecer alguns dos 18 países que agora compõem seu conglomerado. De acordo com o contrato firmado com a matriz americana, o argentino tem pelo menos 20 anos de trabalho pela frente -- ou seja, o império da papa frita pode estar apenas começando.

Por Melina Costa

Fonte: Exame

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